quarta-feira, fevereiro 22, 2006

Ao Alcance de um Abraço

Acordei bem cedo naquela manhã, e ao contrário do que faço em casa, onde rebolo e volto a chamar pelo sono, decidi sair da tenda. Assim que senti o dia, fresquinho, a bater-me na cara, sorri e senti-me grato por ali estar. Reparei que o Sol ainda nem sequer tomava conta do céu. Decidi, então, voltar à tenda, com o maior cuidado tirei a minha máquina fotográfica e saí de novo. Pus-me a caminho, queria encontrar o melhor lugar para poder ficar com o nascer do Sol bem guardado. Para o poder visitar sempre que quisesse.

Que silêncio, nem sequer o vento se tinha levantado. Tudo dormia, e era saboroso explorar assim o mundo exterior. Ouvi ao longe, mas só ao longe, o canto duns pássaros. “Sou eu, hoje, quem vem despertar o mundo. Sou eu que venho dar a boa nova de mais um dia que está a nascer”. Por fim, encontrei o sítio perfeito. Sentei-me, tirei a máquina da bolsa e olhei à minha volta. Como é bom comtemplar o que nos foi oferecido. Não resisti, premi o botão várias vezes, acabei por querer guardar um pouco mais do que o nascer do Sol. Talvez o nascer do dia. Mas estava a chegar o momento que esperava. O céu estava ainda muito claro e o Sol começava, finalmente, a espreguiçar-se. Os primeiros raios, e eu ali, bem acordado. Vi-o erguer-se aos poucos. Parecia fazer o que nós fazíamos. Lavava a cara, tomava o pequeno almoço, lavava os dentes e por fim...ao trabalho. A encher o espaço azul por cima de mim. Quase o podia tocar, parecia estar mesmo ali, ao alcance da minha mão. No entanto, é enorme a distância que nos separa. Penso na quantidade de coisas que estão entre mim e o Sol. Uma lista sem fim.

Lembrei-me dos meus irmãos escuteiros que tinham ficado na tenda. De certeza a aproveitar as maravilhas do mundo dos sonhos. Tinha sido longo o dia anterior. Era merecido o descanso. O descanso dos guerreiros. Senti-me cheio de sorte por poder percorrer aqueles trilhos com eles, por ter bebido a água no mesmo rio que eles, por tê-los ali, tão perto, ao alcance da minha mão. Pensei quantas vezes já nos tínhamos sentido distantes, assim como as estrelas. Que vontade que tinha de lhes dizer que tinha orgulho em usar o mesmo lenço que eles, que tinha orgulho na nossa amizade. Arrumei a máquina, dei o bom dia ao mágico astro que me acordava todas as manhãs, com a excepção de hoje.

Cheguei de novo ao pé da tenda, onde ainda reinava o silêncio. Mais uma vez, com cuidado, retirei agora a viola. Comecei a tocar baixinho, só para chamar a música. Esperei. Passei depois para uma canção que tínhamos feito juntos. Veio a resposta, o amanhecer. Soltavam-se as vozes ensonadas, mas cheias de vontade de dar, também elas, um bom dia. Chegou o refrão com a energia do costume, era o derradeiro esticar de braços. Em breve saíram todos da tenda.

Sei que somos todos diferentes, que precisamos das distâncias para podermos crescer livres. Mas na amizade é assim mesmo, como o Sol, estar todos os dias lá para dar o bom dia, para acordar tudo o que está à nossa volta, mesmo quando nós não reparamos. É estar ao alcance de um abraço e saber que de vez em quando, se trocam os papéis.

Coruja Bem Disposta






Serra do Açor, 2002

4 comentários:

Rui Silva disse...

Depois deste texto todo não colocas nem uma foto do nascer do sol? Egoista!!!

joaosete disse...

Grande Rui.
Procurei aqui no meu arquivo por essa foto. O problema é que na altura não tinha máquina digital e agora só mesmo no arquivo morto.
Fica aqui a promessa de aqui a deixar mais tarde.
Benvindo ao ninho ;)

Rui Silva disse...

Desta vez passa. Abraço.

janica disse...

que saudades de manhãs assim...que saudades desse sentimento

assim